Ex-titular da Cultura diz ter sofrido pressão do ministro para liberar obra.
Comissão de Ética abriu processo na segunda (21) para investigar o caso.
|
Marcelo Calero acusou o ex-colega de governo de ter feito
pressão para liberar uma obra em Salvador (Foto: Lúcio Bernardo
Jr./Câmara dos Deputados) |
O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero prestou depoimento à Polícia
Federal (PF) nesta quarta-feira (23) para falar sobre a denúncia que fez
ao deixar a Esplanada dos Ministérios contra o titular da Secretaria de
Governo,
Geddel Vieira Lima.
Calero disse em
entrevista à "Folha" no último sábado (19) e confirmou posteriormente
em um evento com artistas no Rio de Janeiro
que o motivo principal de sua saída do ministério foi a pressão que
sofreu do titular da Secretaria de Governo para liberar um
empreendimento imobiliário de alto luxo em Salvador no qual Geddel tinha
comprado um apartamento.
A obra foi embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão subordinado ao
Ministério da Cultura.
Calero
pediu demissão do cargo de ministro na última sexta-feira (18) e
foi substituído pelo deputado Roberto Freire (PPS-SP).
Na segunda-feira (21), a Comissão de Ética Pública da Presidência da
República decidiu abrir um processo para investigar a conduta de Geddel
no episódio relatado pelo ex-ministro da Cultura. O colegiado fiscaliza
eventuais conflitos de interesse envolvendo integrantes do governo, mas
não tem poder para punir nenhum servidor público, apenas pode recomendar
ao chefe do Executivo sanções a integrantes do governo, entre as quais
demissões.
No entanto, agora, a Polícia Federal também irá apurar as denúncias de Marcelo Calero. O
G1 não conseguiu localizar o ex-ministro da Cultura.
Nos últimos dias, Geddel admitiu que é proprietário de um apartamento
no empreendimento, confirmou que procurou o então ministro da Cultura
para tratar do embargo à obra, mas negou que tivesse pressionado Calero
para liberar a construção do edifício.
Comissão de Ética
Nesta quarta-feira, o conselheiro José Saraiva, da Comissão de Ética
Pública, solicitou ao presidente do colegiado, Mauro Menezes, para ser
dispensado de analisar a acusação de que o ministro da Secretaria de
Governo teria pressionado o colega da Cultura para liberar a construção
da obra em Salvador.
Advogado baiano, o conselheiro havia pedido vista (mais tempo para
analisar o caso) na última segunda-feira durante a votação realizada na
Comissão de Ética para analisar se seria aberto ou não processo para
investigar o caso.
No ofício encaminhado ao presidente da comissão, Saraiva pediu para não
participar da apreciação do caso alegando "suspeição por fatos
supervenientes". Ele não especificou no documento qual seria o motivo da
suspeição, mas se referiu a "questionamentos veiculados em veículos de
comunicação".
Saraiva é o único integrante da comissão que foi indicado para o
colegiado na gestão de Temer como presidente efetivo. Presidente do
Instituto dos Advogados do Distrito Federal, ele ingressou no colegiado
em setembro. O mandato dele na Comissão de Ética se encerra em setembro
de 2019.
No momento em que Saraiva pediu vista na última segunda, já havia uma
maioria formada a favor da investigação. Na ocasião, ele argumentou que
precisava analisar melhor os fatos.
No mesmo dia, entretanto,
José Saraiva voltou atrás,
abriu mão do pedido de vista e se posicionou a favor da abertura do
processo. Com isso, a investigação foi aberta oficialmente com os votos
dos sete integrantes do colegiado.
Projeto do condomínio La Vue (Foto: Reprodução)
A obra embargada
O empreendimento imobiliário pivô da saíde de Marcelo Calero do
Ministério da Cultura foi embargado pela direção nacional do Iphan em
razão de estar localizado em uma área tombada como patrimônio cultural
da União, sujeita a regramento especial. Os construtores, afirmou o
ex-ministro à publicação, pretendem erguer um prédio com 31 andares, mas
o Iphan autorizou a construção de, no máximo, 13 pavimentos.
Com vista privilegiada para a Baía de Todos-os-Santos, o condomívio La
Vue começou a ser construído em outubro de 2015. O metro quadrado dos
apartamentos – um por andar – custa em torno de R$ 10 mil. O edifício
tem apartamentos com quatro suítes de 259m² e uma cobertura chamada "Top
House" de 450 m². Os imóveis no La Vue
variam de R$ 2,6 milhões a R$ 4,5 milhões.
No sábado, o instituto informou que a obra foi embargada após estudos
técnicos apontarem impacto do empreendimento em cinco imóveis tombados
da vizinhança do condomínio: o forte e farol de Santo Antônio, o forte
de Santa Maria, o conjunto arquitetônico do Outeiro de Santo Antônio
(que inclui o forte de São Diogo), além da própria Igreja de Santo
Antônio (leia mais sobre os argumentos do Iphan ao final desta
reportagem).
Parentes
Familiares do ministro da Secretaria de Governo integram a defesa do
empreendimento imobiliário de Salvador barrado pelo Iphan, no qual ele
afirma ter comprado um imóvel, publicou na quarta-feira o jornal "Folha
de S.Paulo".
Segundo o jornal, um primo e um sobrinho de Geddel atuam como
representantes do empreendimento La Vue Ladeira da Barra junto ao Iphan.
A publicação afirmou que, em um documento anexado ao processo
administrativo que tramitou junto ao Iphan, a empresa Porto Ladeira da
Barra Empreendimento – responsável pelo La Vue, interditado pelo órgão
ligado ao Ministério da Cultura – nomeou como procuradores os advogados
Igor Andrade Costa, Jayme Vieira Lima Filho e o estagiário Afrísio
Vieira Lima Neto.
Ainda de acordo com a "Folha", Jayme é primo de Geddel e também seria
sócio dele no restaurante Al Mare, em Salvador. Já o estagiáriao Afrísio
Vieira Lima Neto é filho do deputado federal Lúcio Vieira Lima
(PMDB-BA), irmão do ministro da Secretaria de Governo.
A procuração, informou o jornal, foi assinada em 17 de maio de 2016,
cinco dias depois de Geddel assumir o comando da Secretaria de Governo.
Manifesto de apoio
Apesar de Geddel estar no turbilhão de uma denúncia de suposto tráfico
de influência, líderes de partidos que integram a base de apoio ao
governo
Michel Temer na
Câmara
foram ao Palácio do Planalto nesta terça (22) para demonstrar apoio ao
ministro da articulação política. Os líderes aliados entregaram no
início da noite um manifesto (assista no vídeo acima) de apoio ao
peemedebista.
Além de angariar manifestações de apoio dos líderes da base na Câmara,
Geddel Vieira Lima também obteve nesta terça-feira a sinalização de que
os presidentes da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado,
Renan Calheiros (
PMDB-AL), estarão ao seu lado durante a tempestade política.
Em uma entrevista coletiva em São Paulo, Maia defendeu a permanencia de
Geddel no primeiro escalão. "Nós precisamos que o ministro Geddel
continue no governo", disse o presidente da Câmara, após participar de
uma palestra a empresários na capital paulista.
Maia disse ainda que "tráfico de influência não é bom", mas ressaltou
que, na opinião dele, isso não ocorreu no episódio envolvendo Geddel e
Calero.
Já na visão do presidente do Senado, a acusação contra o ministro é um
"fato superado". Renan ressaltou que, para ele, houve uma "interpretação
indevida" dos fatos e, neste momento, é preciso deixar as denúncias
para trás. "E que a convergência seja novamente construída", disse.