O 'volta, Lula' noutro cenário econômico - ROBERTO MACEDO
17/04
O
"volta, Lula" ganhou espaço com as quedas da presidente Dilma Rousseff
nas avaliações de seu governo e porque ele se mantém muito ativo na
política. Há também suas declarações ambíguas quanto à candidatura, como
as atribuídas a ele há pouco mais de um mês. A primeira: "Se me
aborrecerem muito, eu volto". Na segunda, Lula comparou-se a Schumacher:
"Não posso fazer igual a ele, que foi sete vezes campeão, mas, na
volta, não fez sequer uma pole position".
Não tenho a pretensão
de que Lula leia este artigo, que talvez lhe causasse aborrecimentos.
Nem por isso vou citar um ou outro filósofo para sofisticar o texto,
pois quem tem de filosofar sobre o dilema é o próprio Lula, sem decidir
em função de provocações nem de comparações com personalidades que
exercem outros ofícios. O dele seria outro, enormemente mais complicado.
O
bom senso indica que o relevante seria ponderar a conveniência pessoal e
familiar do retorno à disputa eleitoral, que dura uns poucos meses, e
as circunstâncias em que exerceria o cargo por mais quatro anos, se
eleito.
Meu radar mostra apenas circunstâncias econômicas do
"volta, Lula". Elas revelam altíssimo risco de danos às versões
predominantes de sua biografia se voltasse ao cargo. Enquanto nele, tais
circunstâncias se mostraram muito favoráveis desde a segunda metade do
seu primeiro mandato. Seguiram assim por todo o segundo, exceto tropeços
em 2008-2009. E se revelaram ainda mais favoráveis em 2010, ajudando-o a
eleger sua sucessora.
Mas para o período 2015-2018 o cenário
econômico hoje é muito ruim e radicalmente diferente, com o que Lula
correria o risco de não apenas adicionar um capítulo ruim a essas
versões de sua biografia, mas também o de cobrir de nódoas o desempenho
de que se orgulha no período 2003-2010. A razão é que um mau percurso à
frente também evidenciaria que seu sucesso anterior se deveu mais a
circunstâncias favoráveis do que a talentos ao governar.
Diante
da história bem narrada, esta é a questão que se coloca: qual o papel do
governante e o das circunstâncias? Se voltar, terá de passar pelo teste
de circunstâncias difíceis. Pensando noutro esporte, teria sido ele
realmente um bom surfista ou pegou ondas excepcionalmente boas? E como
se sairá nas ruins?
Comparando as ondas do passado com as atuais,
Lula foi realmente sortudo. Sua prancha, a do país que conduzia, não
era uma maravilha, remendada por seu antecessor e carente de
investimentos, mas, ainda assim, garantindo um bom equilíbrio no fluir. E
ótimas ondas vieram de um desempenho muito bom da economia mundial, no
qual a China foi a protagonista mais importante. Com o forte estímulo da
demanda externa, a economia respondeu com mais investimentos e
produção, com destaque para o agronegócio e a mineração.
Esse
impulso se disseminou pela economia, e dentro dela também houve forte
expansão do crédito, pela qual Lula atuou ao azeitar canais de
concessão, como o do consignado e o dos bancos oficiais. A arrecadação
do governo subiu com esses estímulos, e também porque obcecado pela
concessão de benesses sociais à plateia, mas sem pensar no futuro, Lula
continuou expandindo a carga tributária. Com isso, tanto deu seu show na
crista da boa onda como se saiu bem do perigoso túnel que ela formou em
2008 e 2009, na esteira da crise econômica mundial, reaparecendo bem
por cima em 2010, quando os estímulos chineses voltaram.
Agora o
mar revela ondas muito fracas, pois a crise abalou os países ricos e o
crescimento da China arrefeceu com problemas no setor financeiro ligados
a excessos creditícios e também porque ela investiu demais, relevando
até capacidade ociosa. E, ainda, porque seu governo entendeu que já era
hora de jogar mais para a plateia, ampliando o consumo e benefícios
sociais.
Aqui, a escassez de investimentos públicos do período
Lula agravou-se com Dilma, contribuindo para tornar a prancha nacional
desequilibrada de forma ainda mais evidente. O crédito perdeu seu ímpeto
anterior, a carga tributária continuou subindo e houve ainda danos por
conta de tombos espetaculares, como os do setor elétrico e da Petrobrás.
O
que fazer? Pelo menos nos próximos quatro anos não dá para contar com
boas ondas do setor externo. Para se sair bem em ondas fracas a prancha e
o surfista precisam se tornar mais competitivos. Na falta do estímulo
externo, não há outra saída que não a de estimular mais a economia com
nossas próprias forças, ampliando a poupança pública e privada do País e
investindo os recursos correspondentes em atividades produtivas,
tornando o Brasil também mais atraente à poupança externa sob a forma de
investimentos diretos.
Falar ou escrever, isso é fácil. Mas
olhando as frágeis ondas à frente, a prancha com seus desgastes e danos,
o cenário econômico está mais para "Schumacher 2". Mostra inflação
elevada, ampliação do desequilíbrio das contas externas, forte
desarranjo das contas governamentais, prejudicando a capacidade
governamental de investir e a confiança dos agentes econômicos no
governo, levando-os a conter seus próprios investimentos. Mais no
detalhe, além dos já referidos danos, a ação governamental ao investir
permanece emperrada, mesmo quando meritória, como no seu limitado
propósito, ainda que hiperatrasado, de privatizar serviços públicos
mediante sua concessão ao setor privado.
O Brasil precisa se
arrumar para enfrentar essa nova realidade, na qual não há espaço para
presidentes acostumados a só dar espetáculos sem uma visão de futuro que
convenha à Nação. Assim, se voltar eleito e não mudar radicalmente sua
forma de governar, Lula correrá o alto risco de sair vaiado. Se vier e
mudar para melhor, teria, então, um sólido lugar na História, onde hoje
repousa vulnerável pelas circunstâncias que o favoreceram.
Postado por
MURILO
às
08:19