Mario Sergio Conti nasceu
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Tarde da noite. Na floresta, todos os bichos dormem. Exceto
o senhor e a senhora Coelhinho. Eles são black blocs e urdem à socapa a
depredação de cenouras e outros ícones da ordem natural. Querem acabar com a
velha e boa lei da selva, segundo a qual os fortes abocanham os fracos e tudo
será de quem chegar primeiro. “É preciso por cobro aos maléficos intentos do
senhor e da senhora Coelhinho”, ruge o leão ao atiçar os chacais contra eles.
Senta que o leão é manso? Melhor não, ele não é manso nem sábio. As jornadas de junho abriram um período no qual a violência veio para o primeiro plano. Durante duas décadas, um bem tramado sistema político, jurídico e policial — herdado da ditadura e blindado na democracia — obstou a iniciativa popular. Anestesiou os reclamos à medida que diminuía a inflação para todos, assistia quem não têm nada, aumentava o salário mínimo, ampliava o consumo e incrementava o parasitismo financeiro de uns poucos. Em junho, o Brasil róseo dessa construção foi abalado pelo povo.
Sim, o povo. Relembre-se que milhões de pessoas paralisaram centenas de cidades. Que cercaram prefeituras e câmaras municipais, palácios e assembleias estaduais, o Congresso e o Planalto. Que magotes foram presos e feridos e seis morreram. A reivindicação imediata foi obtida: o preço das passagens do ônibus e do metrô baixou. O povo impôs a sua vontade aos poderes constituídos, aos partidos, aos sindicatos, às igrejas. Por um momento, emudeceu a tagarelice cheia de certezas dos bem-pensantes. E a violência esteve presente desde o início, na forma de bombas e balas, de quebra-quebra e fogueiras.
A violência integra a política. O seu monopólio pertence ao Estado, que o exerce por meio da polícia e das forças armadas, designadas pela Constituição para manter a ordem. Em junho, a violência institucional foi contestada na mesma moeda, a tunda. A polícia barbarizou e a plebe revidou. Desde então, a participação popular encolheu e os choques cresceram. O pau come dia sim dia não. Continue lendo...
O senhor e a senhora Coelhinho usam um modelito básico, a camiseta que cobre o
rosto. Ela os protege do gás lacrimogênio e serve de máscara quando se atracam
com meganhas e queimam catracas. Como não são uma organização, e sim um modo de
agir, os black blocs são diversos. Há entre eles guardiões da militância,
desocupados, estafetas de traficantes, pivetes sem eira nem beira, estudantes,
policiais infiltrados, ultraesquerdistas, cabos eleitorais a soldo de
populistas, marombeiros de academia, exibicionistas, milicianos, anarquistas
que miram símbolos do capitalismo, lúmpens, provocadores, rebeldes com ou sem
causa.Senta que o leão é manso? Melhor não, ele não é manso nem sábio. As jornadas de junho abriram um período no qual a violência veio para o primeiro plano. Durante duas décadas, um bem tramado sistema político, jurídico e policial — herdado da ditadura e blindado na democracia — obstou a iniciativa popular. Anestesiou os reclamos à medida que diminuía a inflação para todos, assistia quem não têm nada, aumentava o salário mínimo, ampliava o consumo e incrementava o parasitismo financeiro de uns poucos. Em junho, o Brasil róseo dessa construção foi abalado pelo povo.
Sim, o povo. Relembre-se que milhões de pessoas paralisaram centenas de cidades. Que cercaram prefeituras e câmaras municipais, palácios e assembleias estaduais, o Congresso e o Planalto. Que magotes foram presos e feridos e seis morreram. A reivindicação imediata foi obtida: o preço das passagens do ônibus e do metrô baixou. O povo impôs a sua vontade aos poderes constituídos, aos partidos, aos sindicatos, às igrejas. Por um momento, emudeceu a tagarelice cheia de certezas dos bem-pensantes. E a violência esteve presente desde o início, na forma de bombas e balas, de quebra-quebra e fogueiras.
A violência integra a política. O seu monopólio pertence ao Estado, que o exerce por meio da polícia e das forças armadas, designadas pela Constituição para manter a ordem. Em junho, a violência institucional foi contestada na mesma moeda, a tunda. A polícia barbarizou e a plebe revidou. Desde então, a participação popular encolheu e os choques cresceram. O pau come dia sim dia não. Continue lendo...
Achar que à noite todos os coelhos são pardos é cegueira. Imaginar que fenômeno black bloc desaparecerá à força de cassetetes é considerar a polícia um remédio miraculoso, quando ela é sintoma de uma doença maior. Foram tiras cariocas que sequestraram, torturaram e sumiram com o cadáver do pedreiro Amarildo de Souza — crime idêntico ao assassinato de Rubens Paiva na ditadura. Um PM paulista matou a queima-roupa o adolescente Douglas Rodrigues. As imagens do comandante espancado no centro de São Paulo são tão impressionantes quanto a incompetência da polícia no episódio. Se ela não consegue nem proteger o seu chefe, não há carrinho de pipoca que esteja a salvo.
Contritos, os governadores do Rio e São Paulo lamentam a violência da PM, e na frase seguinte dizem que ela deve baixar o sarrafo com entusiasmo redobrado. A incongruência não deterá a espiral da pancadaria, ao contrário. Aguardar bovinamente as eleições do ano que vem, muito menos. Há um mal-estar espraiado, uma insatisfação crônica, um sentimento de urgência, uma exasperação crescente. Apelos ao bom senso, feitos no ar-condicionado de gabinetes, não irão amainar tensões que pegam fogo na rua.
O problema é cabeludo. Pensá-lo a partir da experiência internacional não dá conta da sua novidade. Mas na França, por exemplo, quem policia os protestos são as centrais sindicais e os partidos que se reivindicam da esquerda. Eles dispõem do chamado “serviço de ordem”: militantes parrudos e bem treinados que garantem o direito de palavra da sua organização e intervêm ao menor sinal de arruaça. O serviço de ordem mais respeitado é o da Confederação Geral do Trabalho, integrado que é por mastodontes metalúrgicos e ferroviários. A polícia fica a uma quadra de comícios e passeatas. Black blocs ficam nas suas tocas ou marcham de cara limpa.
Isso poderia ser feito no Brasil? Dificilmente. Porque o PT e a Central Única dos Trabalhadores estão acoelhados. Eles abriram campo para que o senhor e a senhora Coelhinho botassem camisetas na cabeça e agora não sabem o que fazer.
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