DA MANIÇOBA 'COVER' ÀS VERSÕES MAGRINHAS
Criatividade transforma um dos principais pratos do círio
LAISSA KHAYAT - Da Redação
A uma semana do Círio de Nazaré, o prato indispensável
na mesa dos paraenses, a maniçoba, já está sendo preparado em residências e
restaurantes de Belém. Há pessoas que apostam em inovar na receita com a
combinação de ingredientes, como o engenheiro florestal Ivan Alexandre Silva.
Ele criou a maniçoba de couve, com aparência similar à tradicional e batizada
por ele de maniçoba "cover". A ideia surgiu após uma crise de
gastrite que o impediu de experimentar a maniçoba que todos conhecem. A
substituição da maniva pelos 20 maços de couve moída caiu na gosto da família,
que aderiu à receita do engenheiro e já pede o prato na mesa no próximo
domingo.
"O médico da família, quando me passou a dieta, deu
várias opções, uma delas é que poderia comer couve. Ele falou que essa dieta
era para não sobrecarregar o estômago. Tomava couve em sopas e vi que ficaria
boa na maniçoba. Bati no liquidificador, mas desfez muito a fibra. Decidi moer,
como se faz com a mandioca", contou. Ao contrário dos dias de preparo para
a fervura da planta, a maniçoba de couve tem uma vantagem: precisa apenas de 40
minutos ao forno, em panela de pressão, ou uma hora e meia, se for em panela
comum. Continue lendo...
Mas a receita não tem nada de light. Leva charque, linguiça
portuguesa, costela suína defumada, paio, chouriço paraná, bacon, pé de porco
salgado, óleo, alho e cebola, como o prato tradicional. "É mais uma opção
de comida com esses mesmos ingredientes, mas leve. E não demora três dias: é só
o tempo de amolecer a carne. É uma opção de cardápio", disse.
Apesar de a maniçoba couve ser mantida exclusivamente na
mesa da família, Ivan admite ter pensado em vender sob encomenda,
principalmente nessa época do ano. "Já pensei em fazer, mas não é simples
de fazer congelada para as pessoas fora de Belém, porque aqui já tem muita
gente. A minha (receita) foi coincidência das coisas", explicou.
Apesar do sucesso do prato, ele acredita que a culinária
seja somente um elemento que compõe o cenário vibrante do Círio de Nazaré.
"Nessa época, tem a parte espiritual. Já acompanhei várias vezes o Círio.
Quem já foi desejando alguma coisa, a gente sente que tem muita influência,
como uma corda é composta por vários ‘fiapinhos’. É aquele espírito vibrante. E
também a oportunidade de reunir a família e se passa a ter mais fome dos pratos
típicos, o açaí, a maniçoba, o pato no tucupi", disse.
Prato vegetariano é um dos mais populares de restaurantes
O empresário Francisco Gomes Netto tem o restaurante Govina,
cuja especialidade é comida vegetariana, há quatro anos, no centro de Belém. A
esposa dele, a chef de cozinha Ivaneld Machado, criou a maniçoba vegetariana
para atender aos pedidos de clientes. "Já tínhamos outros pratos que
tradicionalmente utilizam carne e transformamos em vegetal. Já tínhamos a
feijoada vegetariana, o estrogonofe vegetariano e pensamos na maniçoba. Ela
gosta da maniçoba e resolveu criar esse prato também para dar possibilidade dos
nossos clientes experimentarem a maniçoba para não ficar de fora da mesa da
família. Todo vegetariano ou pessoa que gosta de uma alimentação mais saudável
e leve pode experimentar não só no Círio, mas em qualquer época do ano",
ressaltou.
A receita leva proteína de soja, castanha do pará, castanha
de caju, queijo provolone, ervas, especiarias indianas e a maniva. Como
acompanhamento, arroz integral. O empresário conta que a ideia foi lançada há
três anos e meio e é bem aceita pelos adeptos da comida vegetariana. "A
receptividade sempre foi excelente, inclusive temos relatos de vários clientes
que dizem que nem sentem a diferença no sabor. As pessoas que almoçam a nossa
maniçoba dizem que se sentem leve", afirmou.
O quilo da maniçoba vegetariana, pronta para consumo ou
congelada, custa R$ 40, mas, diante de tantas encomendas, Francisco diz que
ainda não teve tempo de fazer um balanço. "As vendas aumentaram em torno
de 20%. E ganhar o prêmio de um concurso nacional, promovido pela Tíquete
Restaurante, como Melhor Chef do Brasil, no mês passado, alavancou ainda mais
(as vendas), porque levamos a maniçoba vegetariana para a premiação",
disse.
Folha está mais cara; alta chega a até 20%
O paraense que planeja servir maniçoba no almoço do Círio de
Nazaré precisa preparar o bolso. O principal ingrediente, a maniva (crua ou
pré-cozida), foi reajustado em até 20% em relação ao Círio do ano passado -
percentual bem superior à inflação estimada, em torno de 6% para os últimos
meses. Um aumento que também ocorreu com outros ingredientes deste prato típico
do Estado, como os derivados do porco, que tiveram alta em torno de 12%. É o
que revela a pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) divulgada na quarta-feira passada e efetuada em dez
feiras livres e nas principais redes de supermercados da Grande Belém. É
importante procurar antes de comprar, pois, no caso da maniva, a diferença de
preços entre feiras pode alcançar 50%.
Segundo o Dieese, os preços do quilo da maniva crua oscilam
entre R$ 2 a
R$ 4 nas feiras. No mesmo período do ano passado, era comercializada por R$ 2 a R$ 3. Já a maniva
pré-cozida teve um reajuste de cerca de 15%, com valores entre R$ 3 e R$ 5. No
mesmo período do ano passado, variou entre R$ 3 e R$ 4. A pesquisa aponta que o
local mais barato para se adquirir produtos para a maniçoba é a Feira do
Ver-o-Peso, onde o quilo da folha crua custa de R$ 2 a R$ 2,50; e o da pré-cozida,
de R$ 2,50 a
R$ 3. Nas maiores redes de supermercados, os ingredientes estão mais caros que
nas feiras livres: a maniva pré-cozida custa de R$ 2,24 a R$ 5,72 o quilo. No
mesmo período do ano passado, chegava a até R$ 3.
Com base em pesquisas junto aos vendedores de maniva, o
Dieese estima que nesta época do ano de 14 mil a 16 mil maços de maniva serão
trazidos de vários locais do Pará, como Santo Antonio do Tauá, Acará, Moju,
Benevides, Santa Isabel, Castanhal e região das ilhas, para as feiras livres.
Cada maço da folha pesa entre 1,3 quilo a 1,5 quilo e pode custar entre R$ 0,90
e R$ 1,10.
Ingredientes secretos deixam a receita tradicional mais
leve
Carlos Augusto da Almeida é responsável pela administração
do Tacacá do Quincas, em Nazaré, que, apesar do nome, tem como ponto forte a
venda de maniçoba há 25 anos. Ele aposta na maniçoba "magra" para
vender os 300 quilos que prepara especialmente para o Círio de Nazaré. "A
minha maniçoba não leva bucho, mocotó, toucinho branco e nem orelha de porco. A
nossa maniçoba tem charque, carne de sol, bacon e chouriço paraná, além da
maniva, claro. Ela é diferenciada, porque não se torna uma maniçoba gorda,
pesadona", disse.
Ele acredita que a receita light tenha caído no gosto dos
clientes, já que as encomendas por telefone se esgotaram em 15 dias, a um preço
de R$ 30 o quilo, no final de setembro. "Não estou mais aceitando
encomenda nenhuma de maniçoba, porque já estamos com tudo vendido. Foram 300
quilos de maniçoba e se eu fizesse 500 venderia, assim como 700 ou 800. Mas
como a nossa é caseira, é muito serviço para botar dez panelas no forno",
explicou.
Quatro pessoas trabalham diariamente para dar conta do
serviço e Carlos Augusto não revela toda a receita - apenas parte dela.
"Vai só a maniva crua com a folha e louro com a gordura no forno no dia.
Ela cozinha em torno de oito a dez dias. Esta do Círio vai cozinhar quase 15. A minha maniçoba tem que
ser bem cozida. Você não sente a palha da folha na boca. Os outros ingredientes
adiciono só na véspera. Se vou aprontar sexta-feira à noite, na sexta à tarde
já estão dessalgados", ensinou.
Segundo ele, o sabor da maniçoba do estabelecimento fideliza
os clientes o ano inteiro. "Isso diferencia o público. Fomos fazendo um
padrão que chegamos a esse patamar com esse pessoal que já está acostumado com
esse tipo de maniçoba", observou. Porém, mesmo sabendo que os pedidos
aumentam na quadra nazareno, o administrador conta que muitos clientes deixam
para fazer as encomendas em última hora. "Todo ano é isto. Do meio de
setembro em diante, abri (as encomendas) e em 15 dias acabou. A tendência é
aumentar, mas ainda não posso. Não quero fazer uma coisa para perder a
qualidade; não quero quantidade", acrescentou.
Apesar da ideia de vender a maniçoba como fonte única de
renda, ele revela que fazer o prato típico do Círio fortalece a relação com
Nossa Senhora de Nazaré. A devoção é tamanha que montou um altar na porta de
entrada do estabelecimento, que fica no local o ano inteiro para abençoar os
trabalhos e os alimentos. "Ela fica o ano todo aí. A devoção é tão por
esta Mãe querida que compramos uma (imagem) maior, com coroa. Vamos sempre
limpando, mas fica aí. No Círio, Ela nos abençoa mais ainda", afirmou,
emocionado. (Amazônia – ORM)
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