quarta-feira, 5 de outubro de 2016

CRISES ECONÔMICA E POLÍTICA IMPULSIONAM GUINADA DO ELEITORADO PARA A DIREITA

FERNANDO CANZIAN
DE SÃO PAULO

O crescimento do PSDB e de partidos mais à direita do espectro político e o encolhimento petista nas eleições de domingo (2) foram alimentados por um "efeito interativo" entre os escândalos de corrupção envolvendo o PT e a forte recessão econômica.
A votação foi a primeira deste século em meio a uma recessão da atual magnitude, com renda em queda e aumento da desigualdade e do desemprego, cuja taxa quase dobrou (e rapidamente) para os atuais 11,8% desde a eleição de 2014.
Naquele ano teve fim a influência do trabalho e do esforço pessoal dos brasileiros no processo que levou, entre 2004 e 2014, ao aumento de 130% acima da inflação na renda dos 10% mais pobres. Entre os mais favorecidos (o decil mais rico), a renda subiu 32% em termos reais

                                    
Editoria de Arte/Folhapress
O QUE MAIS CONTRIBUIU PARA A MELHORA NA RENDA Participação em % na mudança de rendimento - 2004 a 2014

No período, foi a renda do trabalho o que determinou a melhora. Embora seu peso varie de acordo com a faixa de ganho, o trabalho contribuiu com quase 80% no aumento dos rendimentos.
Esse movimento tomou a direção contrária em 2015. E o Brasil passou a viver pela primeira vez desde que se tem registro estatístico a combinação de queda na renda e aumento da desigualdade.
"Os escândalos envolvendo o PT vieram primeiro, em 2014, e tiveram influência. Mas a 'bala de prata' contra o partido foi a reversão brutal das expectativas econômicas", diz o cientista político Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco.
"Beneficiou-se disso o PSDB, que tem uma visão mais pró mercado combinada a um vetor distributivo, de pai de políticas sociais que desaguaram no Bolsa Família."

Editoria de Arte/Folhapress


No domingo, o PT perdeu 60% de suas prefeituras (644 para 256) e o PSDB avançou 13% (701 para 793).
Melo ressalta que a literatura em ciência política mostra que escândalos "só pegam mesmo" em ciclos econômicos de baixa.
"Na América Latina pobre, essa combinação é mais forte pela dependência da população dos serviços públicos. O eleitor pensa: 'Minha rua está esburacada porque estão roubando lá em cima'."
Em 2006, mesmo abatido pelo escândalo do mensalão, Lula foi capaz de se reeleger pelo PT com uma economia que acabou crescendo 4% naquele ano e 6% no seguinte. Em 2010, fez seu "poste" (Dilma Rousseff) com alta de 7,6% no PIB.
O cientista político Fernando Abrucio, da FGV, diz que nas pesquisas qualitativas com eleitores que acompanhou antes de domingo, as principais reclamações eram desemprego e segurança.
"A saúde vinha em terceiro, mas muito pela via da queda da renda e da dificuldade para pagar o plano de saúde. A situação econômica pegou em cheio o PT, principalmente em São Paulo".
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que o eleitor fez uma relação direta entre o partido que estava no comando até o impeachment e sua situação de perda de renda e oportunidades de trabalho.
"Se Michel Temer e sua coalizão não entregarem uma melhora econômica, sofrerão o mesmo em 2018", diz.
Para Marcus Melo, no entanto, além da guinada mais à direita nesta eleição, a grande novidade foi o aumento da fragmentação política. Os partidos menores tiveram o maior aumento do número de prefeituras conquistadas: 22% (643 para 826).
"O PSDB e a coalização do governo Temer saem vitoriosos, mas com pés de barro, em meio a um sistema em colapso", diz.
O preço pago pelo governo para manter a base aliada, nesse cenário, tende a ser cada vez maior.

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