Rolf Kuntz é jornalista economista e escreve
sobre finanças públicas no Estadão. |
Neste tempo bandalho, o poder público tem prioridades muito mais interessantes
que administrar a vida coletiva e servir aos interesses da sociedade. É preciso
aproveitar o tempo e o dinheiro dos contribuintes para financiar empresas
selecionadas, proteger setores amigos, oferecer contratos a grupos felizardos e
pôr as estatais a serviço de projetos políticos pessoais e partidários. Também
natural - como consequência - foi a deterioração da Petrobrás, depois de anos
de submissão a decisões centralizadas no Palácio do Planalto. Com persistência,
a nova presidente, Graça Foster, talvez consiga arrumar a empresa, se ficar no
posto por tempo suficiente. Tem mostrado disposição para o trabalho sério, mas
sua figura contrasta, perigosamente, com a maior parte do cenário. Continue lendo...
Na era do deboche, os padrões políticos e gerenciais se degradam em quase todos
os cantos e todos os níveis do sistema de poder. Um bonde sai dos trilhos, por
falta de manutenção, e passageiros morrem. A primeira reação das autoridades é
lançar suspeitas sobre o motorneiro, também morto no acidente. Uma criança
baleada fica oito horas sem atendimento, embora levada a um hospital. Resposta
oficial: o médico faltou. Faltou, sim, mas essa é a resposta errada. Pode ter
sido irresponsável, mas também poderia ter sido atropelado ou atingido por um
raio. Em qualquer cidade gerida com um mínimo de competência e seriedade, os
serviços públicos essenciais funcionam como um sistema. Não havia outros
médicos disponíveis? Não se podia mobilizar uma ambulância para levar a vítima
a um lugar onde recebesse assistência? Na segunda maior cidade de uma das dez
maiores economias do mundo, a falta de um único funcionário pode comprometer o
socorro de emergência a uma pessoa ferida ou doente.Mas o padrão se repete. Na capital federal, crianças ficaram sem atendimento porque plantonistas faltaram para prestar exames de residentes. Nenhum administrador sabia? Afinal, quem aplicou o exame? Novamente: que porcaria de sistema administrativo deixa a segurança dos pacientes na dependência de jovens profissionais? Sistemas organizados para funcionar de verdade têm mecanismos de segurança. São impessoais. Nenhum dirigente de nível superior tem o direito de renegar a própria responsabilidade para transferi-la aos subordinados na ponta da linha.
Na era bandalha, quem se importa com a escala das responsabilidades e com a qualidade gerencial do setor público? O governo brasileiro comprometeu-se em
Nesta fase debochada, os apagões se multiplicam e chegam a atingir vários Estados, às vezes por várias horas. Os altos funcionários do sistema falam em raios, depois em falhas humanas. A chefe de todos recomenda aos jornalistas uma gargalhada, se alguém mencionar novamente a queda de um raio. Mas quem tem autoridade para pôr ordem na casa e cobrar seriedade na gestão do sistema?
Em tempos bandalhos, o presidente da Câmara dos Deputados promete asilo a condenados num processo penal - criminosos, portanto -, se a Justiça ordenar sua prisão. Qual o próximo passo: votar a revogação das penas? Combinaria bem com os padrões atuais de normalidade. Quando o Congresso adia a votação do Orçamento, crianças ficam sem assistência médica porque o serviço hospitalar é um desastre, a economia emperra porque a infraestrutura se esboroa e a diplomacia, outrora competente e respeitada, se torna subserviente à senhora Cristina Kirchner, a piada final é atribuir os males do País ao câmbio valorizado e aos juros. Abaixo o real, e tudo será resolvido.
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