Zuenir Carlos Ventura nasceu em Além na Paraíba, é jornalista e escritor e colunista do jornal O Globo e da Revista Época. |
Já foi mais fácil tomar partido. O mundo e as coisas tinham
apenas dois lados, o bom e o ruim, o branco e o preto, o certo e o errado, o
bonito e o feio. A democracia é que inventou essa complicação de vários pontos
de vista, de ambivalência, substituindo o maniqueísmo pelo relativismo. O bem
pode estar dentro do mal e vice- versa, entre o preto e o branco há o cinza,
entre as luzes e as trevas existe o crepúsculo, e até o feio e o bonito variam
conforme o gosto. No tempo do sectarismo ideológico, não haveria dúvidas em
relação, por exemplo, a questões que se discutem tanto. Você é contra ou a
favor da importação de médicos cubanos? Era muito simples: se vinha de Cuba,
era bom. Ou ruim. Dependia de sua posição política. Agora, a complexidade de
certos casos não admite mais resposta binária, pelo menos para quem não carrega
na cabeça resquícios da Guerra Fria.
Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir? Só com muito preconceito ideológico ou corporativismo, ou os dois. Ao mesmo tempo, como aceitar passivamente que esses profissionais permaneçam submetidos a um regime ditatorial que confisca parte de seus salários e não os deixam trazer suas famílias, retidas lá como reféns para evitar possíveis deserções? Não dá para desprezar os direitos humanos e dizer: "Isso é problema deles, não nosso." Mesmo pesando os prós e os contras na busca de isenção, a decisão é complicada. Virá sempre acompanhada de um "mas", "porém", "por outro lado".
Diferente, mas também com implicações políticas, é o caso do diplomata Eduardo Saboia, que à revelia do Itamaraty deu fuga ao senador boliviano Roger Pinto, que esteve refugiado na embaixada do Brasilem La Paz durante 452 dias.
Preocupado com a saúde debilitada do asilado, Saboia colocou-o um dia num
carro, viajou 1600
quilômetros acompanhado de dois fuzileiros brasileiros,
e depositou-o em Corumbá, enfurecendo o governo boliviano. O senador é um
desafeto de Evo Morales, a quem acusa de corrupção, e é acusado por este do
mesmo crime. Politizada, a questão gerou uma séria crise diplomática entre os
dois países. Para uns, Saboia foi um "herói", do ponto de vista
humanitário; para outros, um "irresponsável". Vai ver, cada lado tem
um pouco de razão.
Em suma, trata-se de um mundo complicado que cobra atitude onde tudo é relativo, inclusive essa afirmação.
Da rebelde Alice insurgindo-se contra a proibição paterna de comer chocolate fora de hora: "Estou ficando furiosa. Pronto (rangendo os dentes) já estou furiosa." Ela é indomável. Acho que nem com gás de pimenta.
Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir? Só com muito preconceito ideológico ou corporativismo, ou os dois. Ao mesmo tempo, como aceitar passivamente que esses profissionais permaneçam submetidos a um regime ditatorial que confisca parte de seus salários e não os deixam trazer suas famílias, retidas lá como reféns para evitar possíveis deserções? Não dá para desprezar os direitos humanos e dizer: "Isso é problema deles, não nosso." Mesmo pesando os prós e os contras na busca de isenção, a decisão é complicada. Virá sempre acompanhada de um "mas", "porém", "por outro lado".
Diferente, mas também com implicações políticas, é o caso do diplomata Eduardo Saboia, que à revelia do Itamaraty deu fuga ao senador boliviano Roger Pinto, que esteve refugiado na embaixada do Brasil
Em suma, trata-se de um mundo complicado que cobra atitude onde tudo é relativo, inclusive essa afirmação.
Da rebelde Alice insurgindo-se contra a proibição paterna de comer chocolate fora de hora: "Estou ficando furiosa. Pronto (rangendo os dentes) já estou furiosa." Ela é indomável. Acho que nem com gás de pimenta.
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