Walcyr Rodrigues Carrasco nasceu em Bernardino de Campos, 1
de dezembro de 1951, é escritor, dramaturgo e autor de telenovelas.
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Recebi um hóspede em meu apartamento do Rio de Janeiro. No
domingo, ele saiu para passear. Voltou à 1 da manhã completamente bêbado. Mas
querendo conversar. Tem coisa pior que suportar um bêbado falando de si mesmo,
chorando e pedindo apoio afetivo e psicológico? Sou solidariedade zero nesses
casos. Mandei o hóspede ir dormir. Ele se revoltou, discutiu e vomitou no sofá.
Depois, foi deitar. De tempos em tempos, levantava-se para vomitar. Como tudo
que pode dar errado dá errado, justamente nessa noite a água do prédio fora
cortada para limpeza das caixas na manhã seguinte. Eu mesmo enchera vários
baldes para garantir. Tive de carregar os baldes apartamento afora, para limpar
os vestígios da bebedeira. No dia seguinte, ainda de ressaca, ele disse
simplesmente:
– Me perdoa, bebi demais.
Respondi mais simplesmente ainda:
– Esse não é o tipo de situação que se resolve com um pedido de desculpas. Estou magoado, ofendido e não perdoo, não. É melhor você encurtar sua estadia e voltar para casa.
Não consigo ser educado nessas horas. Talvez tenha de trocar o revestimento do sofá, manchado. O ex-hóspede não tem grana para isso. Ele ainda tentou amenizar a situação.
– É que eu estava numa viagem.
Viagem? Até agora, falei sobre uma droga legal, o álcool, mas tão inconveniente e perigosa como qualquer outra. Fiz uma reflexão. O usuário é sempre um egoísta. Não uso drogas. Conheço gente que gosta e passei a odiar a palavra viagem nesse sentido. O sujeito se enche de maconha e sorri, extasiado, dizendo que está numa “viagem”. Vejam bem, não sou contra a legalização da maconha. Sou a favor. Recentemente, tentei explicar a um amigo, que tragava um cigarrinho atrás do outro: Continue lendo...
– Olha bem, você está numa viagem. Mas não comprei o tíquete para esse trem.
Então, sou obrigado a ficar assistindo a sua viagem, a ouvir o que diz, a
contemplar seu delírio. Só que você não me perguntou se quero ficar de plateia.
Embarcou, o trem partiu, e fiquei olhando da plataforma.– Me perdoa, bebi demais.
Respondi mais simplesmente ainda:
– Esse não é o tipo de situação que se resolve com um pedido de desculpas. Estou magoado, ofendido e não perdoo, não. É melhor você encurtar sua estadia e voltar para casa.
Não consigo ser educado nessas horas. Talvez tenha de trocar o revestimento do sofá, manchado. O ex-hóspede não tem grana para isso. Ele ainda tentou amenizar a situação.
– É que eu estava numa viagem.
Viagem? Até agora, falei sobre uma droga legal, o álcool, mas tão inconveniente e perigosa como qualquer outra. Fiz uma reflexão. O usuário é sempre um egoísta. Não uso drogas. Conheço gente que gosta e passei a odiar a palavra viagem nesse sentido. O sujeito se enche de maconha e sorri, extasiado, dizendo que está numa “viagem”. Vejam bem, não sou contra a legalização da maconha. Sou a favor. Recentemente, tentei explicar a um amigo, que tragava um cigarrinho atrás do outro: Continue lendo...
Minha visão em relação ao uso é liberal, porque acho que cada um é dono de seu corpo. Mas minha postura na vida é rígida quando o tema me toca de perto. Não admito que levem drogas ilegais no meu carro. Escrevo livros para crianças e jovens, entre outras coisas. Meu livro Vida de droga fala justamente contra o crack. Meu comportamento se torna exemplo para meus leitores. Se sei que algum carona gosta da coisa, explico longamente como isso pode me prejudicar. Adianta? Ele leva escondido. Várias vezes, depois da chegada à praia, vejo o carona com seu cigarrinho.
– Você trouxe no meu carro?
– Não, não...
Para ele, não importa se uma manchete no jornal envolvendo meu nome prejudica minha relação com os leitores. Só quer curtir.
Sei que é uma abordagem diferente. Quando se fala de drogas, discutem-se a legalização e os riscos. Penso no meu lado, no que acontece com quem não usa. O usuário não aceita que alguém não participe de seu prazerzinho – e incluo aí os fumantes que acendem o cigarro na nossa cara. Qual o direito de alguém expor minha saúde, se não sou fumante? Há situações bem piores. Em uma festa, uma garota disse a um amigo do tipo bem-comportado:
– Hoje vou deixar você maluco.
Ele nem se importou. Continuou na água. De repente, segundo sua descrição, um pontinho preto apareceu na sua frente. E foi se esticando, até formar uma linha. Iniciou-se um turbilhão. Correu para o carro e, até hoje, não sabe como chegou em casa. Haviam colocado MDMA na água. Para quem não sabe, é uma das drogas do momento. Tem o princípio ativo do ecstasy, provoca alteração dos sentidos, muda o comportamento. Há festas em que é colocado até na água oferecida aos convidados. Numa casa noturna, alguém pode botar no seu copo sem que você perceba. A diversão de quem apronta é ver a festa “pirar”, transformar a balada numa “loucura”. Só que tem efeitos colaterais. Quem tem problemas de pressão pode morrer. Mas o usuário não pensa nisso. Depois de tudo, se diverte comentando as próprias loucuras e as que os outros praticaram.
A discussão sobre a legalização das drogas está aí, é uma questão social e política.
Mas o uso é uma questão ética. Droga e egoísmo andam juntos, é o que já percebi. Que direito tem o usuário de droga legal ou ilegal de me incluir ou me expor numa viagem que não escolhi?
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