José Serra é paulista, ex-governador de São Paulo e ex-ministro brasileiro. |
Não é segredo, mas o fato de a coisa ser óbvia não faz
brotar do chão as obras: o principal problema econômico do Brasil é o imenso
déficit na infraestrutura - estradas, ferrovias, hidrovias, mobilidade urbana,
portos, aeroportos e energia. Esse déficit se deve à incapacidade do governo
federal de dar realidade aos investimentos públicos.
Como proporção do PIB, o Brasil está entre os dez países do mundo onde o governo menos investe. Um paradoxo, sem dúvida, se levarmos em conta o tamanho da carga tributária - a maior do mundo em desenvolvimento - e a excepcional bonança externa que favoreceu a economia brasileira desde meados da década passada até recentemente.
Os frutos dessa bonança e os maiores recursos fiscais não foram aproveitados para elevar investimentos, e sim para financiar gastos correntes do governo, consumo importado (que substituiu a produção doméstica), turismo no exterior e grandes desperdícios. Não é por menos, aliás, que o Brasil caminha firme rumo à desindustrialização e, com ela, à queda de investimentos no setor, à exportação de postos de trabalho mais qualificados e à renúncia dos benefícios do progresso técnico que acompanha a atividade manufatureira.
Mais ainda: o País tornou-se vítima, novamente, do desequilíbrio externo, com um déficit em conta corrente caminhando para 4% do PIB. Nota: é bobagem relativizar o peso desse número com a máxima de que temos reservas altas. Relevante é a tendência observada, que piora as expectativas, leva à contração dos investimentos privados e à pressão sobre a taxa de câmbio. Continue lendo...
Parece paradoxal, mas o fraco desempenho dos investimentos públicos se deve à
inépcia, não à escassez de recursos. O teto dos investimentos federais pode até
ser baixo, e é, mas o governo não conseguiu atingi-lo. A falta de projetos, de
planejamento, de gestão e de prioridades é o fator dominante.Como proporção do PIB, o Brasil está entre os dez países do mundo onde o governo menos investe. Um paradoxo, sem dúvida, se levarmos em conta o tamanho da carga tributária - a maior do mundo em desenvolvimento - e a excepcional bonança externa que favoreceu a economia brasileira desde meados da década passada até recentemente.
Os frutos dessa bonança e os maiores recursos fiscais não foram aproveitados para elevar investimentos, e sim para financiar gastos correntes do governo, consumo importado (que substituiu a produção doméstica), turismo no exterior e grandes desperdícios. Não é por menos, aliás, que o Brasil caminha firme rumo à desindustrialização e, com ela, à queda de investimentos no setor, à exportação de postos de trabalho mais qualificados e à renúncia dos benefícios do progresso técnico que acompanha a atividade manufatureira.
Mais ainda: o País tornou-se vítima, novamente, do desequilíbrio externo, com um déficit em conta corrente caminhando para 4% do PIB. Nota: é bobagem relativizar o peso desse número com a máxima de que temos reservas altas. Relevante é a tendência observada, que piora as expectativas, leva à contração dos investimentos privados e à pressão sobre a taxa de câmbio. Continue lendo...
Há exemplos já "tradicionais" de obras que, segundo o cronograma eleitoral propagandeado, deveriam ter sido entregues, mas percorreram de zero à metade do caminho, como a Ferrovia Transnordestina, a transposição do São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, a Ferrovia Oeste-Leste (Bahia), as linhas de transmissão para usinas hidrelétricas prontas (Santo Antônio e Jirau), etc. A ponte do Guaíba, no Rio Grande do Sul, nem saiu do projeto. Dez aeroportos da Infraero estão com contratos paralisados. Os atrasos das obras nas estradas federais contempladas no PAC são, em média, de quatro anos - para a BR-101, no Rio Grande do Norte, serão, no mínimo, cinco: deveria ter sido entregue em 2009 e foi reprogramada para 2014. Depois de um pacote de concessões de estradas muito mal feito, em 2007, só agora, seis anos depois, o governo anuncia um novo, e em condições adversas, dadas as incertezas da economia e dos marcos regulatórios.
O emblema da falta de noção de prioridades é o trem-bala, anunciado em 2007. Só transportaria passageiros e, segundo o governo, custaria uns R$ 33 bilhões. O Planalto garantia que seria bancado pelo setor privado. O aporte do Tesouro Nacional não passaria de 10% do total. Graças à inépcia - nesse caso, benigna, porque se trata de uma alucinação - e ao desinteresse do setor privado em cometer loucuras (apesar dos subsídios fiscais e creditícios que receberia), não se conseguiu até hoje licitar a obra. Depois do recente adiamento, o ministro dos Transportes estimou que a concorrência ficará para depois de 2014. Ao ser lançado, o governo dizia que já estaria circulando durante a Copa do Mundo...
Desde logo, os custos foram grosseiramente subestimados. Esqueceram-se as reservas de contingência e foram subestimados os preços das obras. O custo dos
A obra não foi adiante, mas o governo não desistiu. Para variar, criou uma empresa estatal para cuidar do projeto, que já emprega 140 pessoas. Até o ano que vem, o alucinado gestor governamental do trem-bala anunciou o gasto de R$ 1 bilhão, sem que se tenha movido ainda uma pedra. O atual ministro dos Transportes desmentiu-o, assegurando que seriam apenas... R$ 267 milhões! Sente-se mais aliviado, leitor?
Admitindo que seria possível mobilizar R$ 70 bilhões para transportes, um governo "padrão Fifa", como pedem as ruas, poderia, sem endividar Estados e municípios, fazer a linha do metrô Rio-Niterói, completar a Linha 5 e fazer a Linha 6 do metrô de São Paulo, concluir o de Salvador, tocar os de Curitiba e Goiânia, a Linha 2 de Porto Alegre, a Linha 3 de Belo Horizonte, construir a ferrovia de exportação Figueirópolis-Ilhéus, a Conexão Transnordestina, a Ferrovia Centro-Oeste, prolongar a Norte-Sul de Barcarena a Açailândia e Porto Murtinho a Estrela d'Oeste, o Corredor Bioceânico Maracaju-Cascavel e Chapecó-Itajaí. E, é certo, poder-se-ia fazer uma boa ferrovia Campinas-Rio de Janeiro, com trens expressos normais, aproveitando a infraestrutura já existente.
Nessa perspectiva, seriam investidos R$ 35 bilhões em transporte de cargas e outros R$ 35 bilhões em transporte de passageiros, beneficiando mais de 5 milhões de pessoas por dia. O trem-bala, na suposição mais eufórica, transportaria 125 mil pessoas por dia - 39 vezes menos!
É evidente, leitor, que nada disso é fácil. Acontece que, no geral, as facilidades se fazem por si mesmas. Populações criam o Estado e elegem governos para que se façam as coisas difíceis e necessárias. Só por isso aceitamos todos pagar impostos, abrir mão de parte das nossas vontades e sustentar uma gigantesca burocracia. Os governos existem para tornar mais fáceis as coisas difíceis, e não para fazer o contrário.
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