Maria Cristina Fernandes é editora de Política e colunista
do Valor Econômico desde a fundação do jornal em maio de 2000.
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O metrô de São Paulo foi inaugurado no mesmo ano em que o
MDB deu um susto na ditadura. Naquele 1974 o partido quadruplicou a bancada no
Senado, dobrou a da Câmara e dominou seis Assembleias Legislativas, aumentando
seu poder de fogo na eleição indireta dos respectivos governadores, entre os
quais o de São Paulo.
Para não entregar os maiores Estados à oposição veio o
Pacote de Abril que acresceu senadores biônicos ao colégio eleitoral formado
por Assembleia, Câmara e Senado. Com isso garantiu que a escolha de
governadores fosse controlada pela Arena.
Na queda de braço travada com a ditadura militar pelo
retorno das eleições diretas para os governos estaduais em 1982, o MDB se
aproximaria de lideranças empresariais insatisfeitas com a canoa furada do
milagre econômico.
Entre esses empresários estavam os comandantes dos
principais grupos envolvidos no primeiro metrô do país, como a Villares, de
família homônima, e a Cobrasma, dos Vidigal.
Uma das demandas desses empresários, que viria a ser
encampadas pelo MDB, era uma maior proteção à indústria tupiniquim frente ao
capital externo, convocado quando a ditadura começou a fazer água. Continue lendo...
Quando a primeira linha do metrô de São Paulo foi inaugurada
a empresa ainda era comandada pela prefeitura da capital, passando ao controle
do Estado apenas em 1979, três anos antes de o PMDB chegar ao Palácio dos
Bandeirantes.
Ao longo das últimas três décadas, os pemedebistas e seu
primogênito, o PSDB, se revezaram no comando do Estado com fissuras e
dissidências que se proliferaram com mais rapidez que os ramais do metrô.
Como o quilômetro de metrô pode custar até 100 vezes o de
uma rodovia federal, investimento que, por décadas, foi o único que a subsistir
na rubrica de transportes da União, os orçamentos da secretaria paulista
rivalizavam com os ministeriais.
Nas três décadas desde que o PMDB se instalou no Morumbi o
investimento no transporte metropolitano em São Paulo passou de um
condomínio monopolista de indústrias nacionais, capitaneado por Mafersa e
Cobrasma e subcontratadas como a Hidrobrasileira, para uma estrutura igualmente
cartelizada de multinacionais que envolve as gigantes do setor, como Siemens,
Alstom, CAF, Bombardier e Mitsui.
Foi na transição desses dois modelos de desenvolvimento,
cujo laboratório mais rico foi São Paulo, que o PSDB, nos anos 1990, gestou
seus planos de permanecer vinte anos no Planalto.
Foi mais ou menos isso que tentou explicar Claudio Senna
Frederico, o ex-secretário de Transportes de Mário Covas quando disse não se
lembrar de licitações competitivas no setor.
Engenheiro de produção, que frequenta hospitais do SUS e,
aos 70 anos, ainda trabalha pagar suas contas, Frederico foi o único, de uma
sucessão de secretários de transportes de governos tucanos, a dar a cara a
bater desde que vieram à tona as denúncias de conluio no cartel do metrô.
Quando Covas assumiu, São Paulo, comprometido pelo acordo da
dívida, optou pelas concessões, como o resto do Brasil de Fernando Henrique
Cardoso. Turbinadas pelos cofres do BNDES, a política de concessões, aos
trancos, recuos e barrancos, seria continuada pelos governos petistas.
Por último inventaram as PPPs, parcerias de preço fechado
que as teorias da moderna administração pública vendem como o melhor detergente
para a perniciosa coleção de aditivos produzida pela gestão estatal de
investimentos.
A linha amarela do metrô paulista, que liga o centro ao
extremo da zona oeste, foi pioneira no gênero. Em janeiro de 2007, na estreia
de José Serra como governador de Estado, contabilizou entre seus maiores feitos
o desabamento que matou sete pessoas ao lado da sede da editora Abril. Treze
pessoas do metrô e do consórcio que toca a PPP foram denunciadas, mas continuam
impunes.
Os transportes sempre foram um bom balcão de negócios para
governos de todas as colorações. Basta ver quem os petistas instalaram no
ministério. Primeiro o PL e, depois do mensalão, seu sucedâneo, o PR, ambos com
notória especialização nos contratos da política.
Os legislativos costumam ser lenientes na fiscalização do
setor. Não se faz CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo que não seja
controlada pelo Palácio dos Bandeirantes, mas na Câmara dos Deputados,
transportes tampouco são um tema de predileção da inquirição parlamentar.
Quarenta CPIs foram instaladas na Câmara nos últimos 15
anos. Nenhuma delas para investigar os transportes, pasta que congrega os
maiores investimentos do país.
Restam a Controladoria-Geral e o Tribunal de Contas da
União, este, sim, muito mais independente do que seu congênere paulista.
Relatórios das duas instâncias fiscalizadoras mostraram que o aumento dos
investimentos em rodovias e ferrovias no Brasil do PAC reproduz irregularidades
ancestrais.
Já em São
Paulo o tribunal de contas é casa de pelo menos três
conselheiros que, indicados pelo consórcio PMDB/PSDB, tornaram-se alvos de
investigação por enriquecimento ilícito em processos de suborno de empresas
contratadas pelo governo do Estado, da bitola ao pedágio.
Dois deles já tiveram parte de suas contas bloqueadas,
recorreram e continuam conselheiros. O terceiro chegou a ser afastado do cargo
mas reconquistou-o semanas antes de ser aposentado com proventos integrais e
patrimônio para sustentar dez gerações de desocupados.
Um ex-presidente de metrô arrolado em processo foi absolvido
pela justiça paulista por falta de provas. Hoje é dono de fazenda leiteira e se
orgulha de proveitosa ordenha, que o deixa na condição de único produtor
milionário do Vale do Paraíba.
Esses intermediários ficaram mais ricos do que (quase) todos
os governadores a que serviram. Só não ganharam mais do que a outra ponta. As
denúncias que agora vêm à tona no Brasil são apenas a franja mais meridional de
uma disputa globalizada. Acossados pelas cortes mundo afora por práticas
corruptoras os grandes grupos do setor se arvoram em garantir seu naco de
mercado no Brasil, um dos poucos cantos, em meio à crise econômica, onde têm
conseguido arrancar contratos vantajosos.
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