A substituição da máquina de escrever pelo computador não
afetou muito o que se escreve. Quer dizer, existe toda uma geração de
escritores que nunca viram um tabulador (que, confesso, eu nunca soube bem para
o que servia) e uma literatura pontocom que já tem até os seus mitos, mas mesmo
num processador de texto de último tipo ainda é a mesma velha história, uma
luta por amor e glória botando uma palavra depois da outra com um mínimo de
coerência, como no tempo da pena de ganso. O novo vocabulário da comunicação
entre micreiros, feito de abreviações esotéricas e ícones, pode ser um desafio
para os não iniciados, mas o que se escreve com ele não mudou. Mudaram, isto
sim, os entornos da literatura. Não existem mais originais, por exemplo. Os
velhos manuscritos corrigidos, com as impressões digitais, por assim dizer, do
escritor, hoje são coisas do passado — com o computador só existe versão final.
O processo da criação foi engolido, não sobram vestígios. Só se vê a sala do
parto depois que enxugaram o sangue e guardaram os ferros. Continue lendo...
Nos jornais, o efeito do computador foi muito maior do que o fim da lauda
rabiscada e da prova de paquê. O computador restabeleceu o que não existia nas
redações desde — bem, desde as penas de ganso. O silêncio. Um dia alguém ainda
vai escrever um tratado sobre as consequências para o jornalismo mundial da
substituição do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos
teclados dos micros, que transformou as redações, de usinas Mas é no futuro que a troca do preto no branco pelo impulso eletrônico fará a maior confusão. A internet está cheia de textos apócrifos, inclusive alguns atribuídos a mim pelos quais recebo xingamentos (e tento explicar que não são meus) e elogios (que aceito, resignado), e que, desconfio, sobreviverão enquanto tudo que os pobres autores deixarem feito por meios obsoletos virará cinza e será esquecido. Nossa posteridade será eletrônica e, do jeito que vai, será fatalmente de outro.
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