Luciano Martins da Costa é jornalista e escritor, nascido no Vale do Ribeira, sudeste do Brasil. Foi repórter, colunista, editor e gestor em importantes veículos da imprensa brasileira. |
O Estado de S.Paulo é o primeiro jornal a admitir
oficialmente, ainda que de maneira discreta, que pode não ter havido um
“mensalão”, ou seja, que o dinheiro supostamente desviado do erário pode ter
sido usado para pagar campanhas eleitorais de candidatos que se aliaram à chapa
do ex-presidente Lula em seu primeiro mandato, e não para compra de votos.
Assim, o leitor começa sutilmente a ser dirigido para a tese
de que os fatos sob julgamento no Supremo Tribunal Federal teriam relação com a
prática do “caixa 2” ,
e não com o pagamento sistemático de propina para que parlamentares apoiassem
as iniciativas do governo no Congresso.
O editorial de sexta-feira, dia 24, do jornalão paulista não
poderia ser mais claro, ainda que escrito em forma de elipse, ao se referir a
“pagamentos prometidos pelo PT a políticos de outras legendas ainda na campanha
presidencial, em troca de apoio a seu candidato”.
O jornal admite que os empréstimos milionários obtidos pelo
publicitário Marcos Valério poderiam ser destinados a pagar esses compromissos
de campanha, e não para remunerar parlamentares pelos seus votos em favor do
governo, tese que deu origem ao nome “mensalão”.
Volume de verbas
Evidentemente, ainda assim, comprovados esses fatos no final
do julgamento em curso, trata-se de crime cujos autores deverão ser apontados
na sentença final dos ministros do STF.
Claro que, comprovados os desvios de dinheiro do Banco do
Brasil e de outras fontes, para o esquema de Valério e daí para parlamentares e
outros agentes envolvidos nas campanhas eleitorais, ainda assim estaremos
diante de um crime grave, que revela a fragilidade do sistema eleitoral no
Brasil.
No entanto, o voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski,
em sua segunda apreciação das “fatias” em que foi dividido o processo pelo
relator, deixa claro que o Supremo Tribunal Federal não vai decidir,
necessariamente, conforme a receita que vem sendo prescrita pela imprensa há
sete anos.
O editorial do Estadão afirma que o “mensalão” –
expressão que deixa de ter sentido se for comprovada a hipótese que o próprio
jornal acaba de admitir – “foi a ponta de um iceberg de proporções ainda por
medir”.
Errado: é relativamente fácil medir esse iceberg – ele tem
exatamente o tamanho do total das verbas usadas em cada campanha eleitoral,
porque todo dinheiro doado a candidatos acaba revertendo em benefício para o
grande doador, especialmente o de “caixa 2” , se o candidato for eleito.
E isso é história antiga: já no ano de 1952, segundo relatou
a revista Época e comentou este observador na primeira semana de
junho passado (ver Um
retrato do Brasil), as 600 páginas do relatório de uma CPI que investigou o
desvio de dinheiro do Banco do Brasil para campanhas eleitorais desapareceram
da Câmara dos Deputados, no Rio. A CPI acusava o então ministro da Fazenda,
Horácio Lafer, e o presidente do Banco do Brasil na ocasião, Ricardo Jaffet,
além de empresários, políticos e militares, de formarem uma quadrilha que
desviava recursos do banco estatal para campanhas eleitorais.
O processo desapareceu, ninguém foi punido e Lafer e Jaffet
viraram nomes de avenidas.
“Caixa 2”
é a regra
A impunidade histórica não pode, porém, justificar qualquer
tentativa de minimizar a gravidade dos crimes envolvendo dinheiro de campanha,
e o escândalo produzido em torno do caso que está sob julgamento no STF deveria
ajudar a formar na sociedade uma consciência em torno da responsabilidade do
voto de cada um.
Com relação à imprensa, quanto mais rápida e engajadamente
ela se aproximar da verdade maior será sua contribuição para que o sistema
eleitoral seja aperfeiçoado.
Assim, se há evidências de que o presente caso não se
referiu ao pagamento de propinas mensais em troca de votos no Parlamento, como
começa a admitir o Estadão, será maior a credibilidade das informações trazidas
pela imprensa quanto mais claramente ela se abrir a outras possibilidades.
Mas os sinais são outros: o voto do ministro revisor,
Ricardo Lewandowski, inocentando o deputado federal João Paulo Cunha (PT/SP),
caiu como um balde de água fria sobre os jornais. As reações foram diversas:
desde a do colunista de O Globo, que acusou o ministro de votar “sem
nexo”, até as do Estadão e da Folha, que oferecem uma seleção
especialmente agressiva de cartas de leitores contra o ministro revisor, o
comportamento dos jornais é semelhante ao de crianças que não podem ser
contrariadas.
Imagine-se, então, qual será o tom das edições se a Suprema
Corte condenar apenas um ou outro operador do sistema, deixando claro que todo
esse escândalo é parte da rotina de todas as eleições, e que o “caixa 2” é a regra nos comitês de
campanha de todos os partidos.
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