MINISTROS DO TCU GANHAM R$ 53 MIL PARA VIAGENS E 'ESCONDEM'
OS ROTEIROS
FÁBIO FABRINI / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
O Tribunal de Contas da União (TCU) blindou seus ministros
da divulgação de viagens feitas com verba pública. Decisões do plenário impedem
o cidadão comum de saber para onde, e com qual justificativa, as autoridades
emitiram passagens aéreas bancadas pelo contribuinte. A justificativa é que
informar deslocamentos pregressos, feitos nos dois últimos anos, pode trazer
"risco à segurança" dos integrantes da corte.
A negativa foi dada em processos nos quais o Estado pediu,
via Lei de Acesso à Informação, detalhamento das despesas com voos para
"representação do cargo", ou seja, para cumprir compromissos
supostamente institucionais, como palestras, solenidades, congressos e
homenagens.
Por meio de uma resolução editada em 2009, os ministros do
TCU asseguraram para si próprios, além de auditores, procuradores e
subprocuradores do Ministério Público que atuam na corte, o direito aos
bilhetes, concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a magistrados.
Segundo a norma de 2009, os integrantes do plenário teriam direito
a gastar R$ 43,2 mil em voos com essa finalidade. O valor da verba foi
atualizado e corrigido pelo IPCA, e, hoje, os ministros podem gastar até R$ 53
mil com viagens.
Para demais autoridades, o montante, atualizado, pode ser de
R$ 26,9 mil ou R$ 17,9 mil.
Os dados completos das viagens eram fornecidos pela
Secretaria de Comunicação do tribunal até 2011, mas os ministros recuaram. Com
a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, em maio do ano passado,
passaram a negá-los.
Constrangimento. Os despachos em resposta ao Estado dos
ministros Benjamin Zymler e Raimundo Carreiro não explicam como a integridade
física dos ministros pode ser ameaçada com a divulgação de viagens pregressas.
Segundo fontes do tribunal, a negativa visa a evitar
constrangimento, pois é comum as autoridades usarem a verba para viajar aos
Estados de origem, nos fins de semana e feriados. Continue lendo...
O TCU só abre agora a data e o valor dos voos, mas omite os
destinos e as justificativas. As tabelas enviadas ao Estado mostram que só a
ministra Ana Arraes consumiu R$ 40 mil em 39 viagens em 2012. Aroldo Cedraz
usou mais R$ 30 mil naquele ano e mais R$ 37 mil em 2011, em 48 deslocamentos.
Por que e para onde foram é uma incógnita.
Hermético. Na prática, o tribunal tem sido, nesse aspecto,
mais hermético que os órgãos que fiscaliza. No Executivo e no Legislativo
federais, as mesmas informações estão disponíveis na internet, sem a
necessidade de pedido por meio da Lei de Acesso à Informação.
Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da organização
Transparência Brasil, não há justificativa para omitir os dados. "É a
posteriori. Como falar em risco meses depois de as viagens terem ocorrido? É
uma justificativa cínica", critica.
Segundo Abramo, a situação é "lamentável, mas
esperada" num contexto em que cabe aos ministros julgar os pedidos de
acesso às próprias despesas. No TCU, essas solicitações têm tratamento
diferenciado, sendo apreciadas pela Presidência, e não pela Ouvidoria, com
servidores de carreira. Há a possibilidade de apenas um recurso ao colegiado de
ministros - no Executivo, são quatro. "Se eles podem decidir em causa
própria, vão fazê-lo", comenta Abramo.
Conforme o TCU, uma decisão sobre a divulgação das viagens
será tomada no futuro, quando o tribunal classificar as informações que, em seu
entendimento, podem "se revestir de sigilo". Medida idêntica foi
adotada na gestão de Carlos Ayres Britto na presidência do Supremo Tribunal
Federal, que protelou por meses o atendimento aos pedidos, mas foi revogada.
As normas do TCU que tratam da Lei de Acesso à Informação,
porém, não dão espaço para esse tipo de manobra.
Recurso. Na análise de recurso apresentado pelo Estado, a
consultoria jurídica do TCU entendeu que a presidência do tribunal descumpriu a
Lei de Acesso, pois não obedeceu aos prazos e tampouco apresentou os motivos da
recusa. "A lei não prevê tal hipótese de dilação indeterminada de prazo na
análise dos pedidos. (...) A análise em questão deveria ter sido realizada em
sua completude", diz o relatório.
O relator, Benjamin Zymler, votou para que o caso fosse
reanalisado, mas foi vencido pelo ministro Carreiro, que apresentou voto
contrário, seguido pela maioria. No plenário, só André Luís de Carvalho votou
com Benjamin Zymler.
A abertura de outras despesas tem sido negada pelo tribunal,
a exemplo dos reembolsos de despesas médicas. As agendas dos ministros não são
divulgadas na internet, o que favorece a discreta atuação de lobistas nos
gabinetes. Mesmo que não tenham tarja de sigilosos, os processos não podem ser
consultados, exceto pelas partes. Só após o julgamento, os relatórios técnicos
são apresentados ao público.
Para Cláudio Weber Abramo, a pressão da opinião pública é
que poderia mudar a situação e favorecer a abertura dos dados: "(Os
ministros) só reagem com a faca no pescoço".
Limite. O Tribunal de Contas da União informou, em nota, que
trabalha para, "o mais breve possível", classificar as suas
informações e, assim, divulgá-las "nos limites da lei".
A corte não respondeu a nenhum dos oito questionamentos do
Estado, enviados na quinta-feira. "Com o advento da Lei de Acesso, ao
mesmo tempo em que se passou a permitir a qualquer cidadão pleitear informações
aos órgãos públicos, também exigiu-se que determinados dados fossem
resguardados", justificou o tribunal. (Estadão)
1 comentários:
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