ATEUS CONTESTAM AÇÕES DE 'BANCADA TEOCRÁTICA' NO CONGRESSO
Camilla Costa - Da BBC Brasil em São Paulo
Associações que reúnem ateus, agnósticos e humanistas se
mobilizam contra o que chamam de ações da "bancada teocrática" no
Congresso que atentariam contra a laicidade do Estado brasileiro, estabelecida
pela Constituição.
A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), a
maior do país, tem 16 representações junto ao Ministério Público contra medidas
que, segundo a organização, violam a laicidade. Elas incluem um projeto de lei
que obriga a leitura de versículos bíblicos nas escolas da rede municipal em
Araguaína (Tocantins) e outro sobre a inclusão de mensagens bíblicas nos
contracheques dos servidores da Câmara Municipal em Juiz de Fora (Minas
Gerais). Em São Paulo, a organização move um processo contra a prefeitura por patrocínio
a um evento religioso com dinheiro público.
"Isso era um dos objetivos centrais da criação da Atea,
que os ateus tivessem uma personalidade jurídica para fazer suas representações
perante as autoridades", disse Daniel Sottomaior, fundador da associação,
à BBC Brasil.
No início do mês de fevereiro, a Justiça condenou a rede de
TV Band a exibir, durante o programa Brasil Urgente, quadros sobre diversidade
religiosa e liberdade de consciência e de crença no Brasil. O apresentador José
Luiz Datena relacionou o ateísmo à índole de criminosos durante uma reportagem,
afirmando que ateus "são os caras do mau" e "não respeitam
limite nenhum".
"Nós estávamos monitorando as falas do Datena e assim
que ele disse isso, postamos no nosso site o material e dissemos às pessoas:
'Se sentiu ofendido? Se manifeste' e demos orientações sobre como fazer isso. O
Ministério Público recebeu diversas representações, o que gerou a ação",
conta Sottomaior.
Já a Liga Humanista Secular do Brasil conseguiu o status
jurídico deamicus curiae, que dá à associação o direito de enviar um
representante para argumentar em uma discussão aberta no Congresso, segundo a
atual presidente do órgão, Åsa Dahlström Heuser.
RELIGIÃO NO CONGRESSO
A Frente Parlamentar Evangélica no Congresso reúne 76 (de
513) deputados de diversos partidos e 3 senadores, de acordo com seu site
oficial. Ainda em construção, o site traz seções de "Projetos de Lei
Nocivos" e "Projetos de Lei Benéficos", diferenciando entre
projetos de lei que iriam contra e a favor dos interesses do grupo.
A existência de uma bancada católica não é confirmada
oficialmente por deputados nem pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, órgão
ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
"Esse processo de formar uma bancada traz a ideia de
que existe uma única proposta da cristandade para as questões. Nós não
acreditamos que este método seja válido. Temos que dialogar e debater com
outros setores", disse Pedro Gontijo, secretário executivo da comissão, à
BBC Brasil.
Informalmente, órgãos de monitoramento como o Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), chamam de bancada aos
parlamentares que atuam mais frequentemente em questões defendidas pela Igreja
católica, muitas vezes ao lado dos evangélicos.
"A bancada católica tem afinidades com alguns temas da
igreja evangélica, como aborto, união civil homossexual, regulamentação da
profissão de prostituta. A igreja evangélica é mais incisiva nos debates e
acaba aparecendo mais, mas na votação as duas atuam juntas", diz André
Santos, consultor parlamentar do Diap.
'COOPERAÇÃO'
O deputado João Campos (PSDB – GO), presidente da Frente
Parlamentar Evangélica e ligado à Assembleia de Deus, nega que as medidas
defendidas pela bancada violem a laicidade do Estado brasileiro. "Acho que
não tem ninguém que defende mais a laicidade do Estado do que nós evangélicos.
O que me parece é que essas iniciativas são fruto de ignorância a respeito da
laicidade estabelecida na Constituinte ou de muito preconceito contra os
religiosos", disse à BBC Brasil.
"No artigo 19 inciso 1º, a Constituição veda à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e municípios, subvencionar igreja ou culto,
ter relação de dependência com líderes religiosos e embaraçar o funcionamento
de igrejas, salvo em caso de colaboração de interesse público. A laicidade na
Constituição brasileira não é um Estado sem religião, não é um Estado ateu. O
Estado e a Igreja estão separados, mas cooperam entre si."
Sobre as críticas à atuação de parlamentares com argumentos
baseados em princípios religiosos, feita por representantes de associações de
ateus, ele se defende: "Porque eu sou religioso eu sou um cidadão menor?
Não posso participar da democracia, da vida política do meu país? Quem
acompanha atuação dos parlamentares evangélicos e católicos sabe muito bem que
nós não usamos a Bíblia nos temas que enfrentamos. Usamos argumentos culturais,
jurídicos, científicos e de outros tipos, como todo político faz." (BBC
Brasil)
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