sábado, 17 de agosto de 2013

Dependência é um problema de saúde pública, tráfico é um caso de polícia. De uma polícia competente e honesta.

Rosiska Darcy de Oliveira é carioca, pesidente-executiva do Rio como Vamos, escritora e jornalista. 
O tráfico de drogas, essa próspera e diabólica multinacional, se alicerça em uma premissa simples: conquistar consumidores tornando as pessoas dependentes, destruindo-as, reduzindo a zero seu poder de decisão e transformando-as em clientes cativos de um mercado ilegal.
Quem tem em casa um dependente de drogas conhece o calvário em que mergulham a vítima e a família devastada. Daí o medo e o silêncio das famílias e o horror da sociedade. Só que o medo nunca foi bom conselheiro. Inspira as reações mais disparatadas e ineficazes, ainda que humanamente compreensíveis. Na ausência de debate, o silencio congela as soluções.
Um homem chamado José Júnior, sem medo, fez aposta inversa à do tráfico: é possível reconstruir uma pessoa, mesmo um ex-traficante, dar-lhe uma segunda oportunidade, oferecendo-lhe um sentido para a vida. Não há maior desafio à lógica implacável do tráfico. Não por acaso a sede do AfroReggae, no Complexo do Alemão, foi metralhada, e todos que estimam seu fundador temem pela sua segurança. O maior mérito de José Júnior terá sido demonstrar que a luta contra o tráfico vai muito além da óbvia ação policial.
Em boa hora nasceu e está crescendo na sociedade um movimento espontâneo em defesa da vida de José Júnior e da política de pacificação que vem se mostrando preciosa para a o Rio, libertando os territórios ocupados. Para que as UPPs continuem sendo portadoras de esperança é essencial que a polícia esclareça o que aconteceu com Amarildo Dias de Souza, prestando contas à sua família e a nós todos. Desaparecimentos e mortes obscuras nos remetem aos tempos de pesadelo que precederam a pacificação. Continue lendo...
Na infame prisão feminina do Carandiru, em São Paulo, Drauzio Varela também aposta na possibilidade de reconstrução de vidas destroçadas. Diz que não há, no mundo, cadeia sem drogas. Ora, se as drogas penetram nas celas trancadas, pergunta-se: como é possível a ilusão de erradicá-las em sociedades abertas? Essa Ilusão tem ceifado a vida de milhares de jovens, ao longo de décadas, na guerra inútil contra as drogas.
Na Colômbia, país que mais sofreu com o narcotráfico, o presidente Juan Manoel Santos perdeu essa ilusão. Sentiu — e a expressão é dele — que pedalava uma bicicleta que não saía do lugar. Colocou na pauta da Cúpula das Américas um debate sobre a política de drogas que levou à conclusão que muda tudo: o dependente não é um criminoso a ser perseguido, é um paciente a ser tratado. O relatório encomendado pelos chefes de Estado à OEA foi ainda mais longe, evocando a legalização da produção, venda e uso controlado da maconha, droga cujos efeitos seriam menos nocivos do que os do álcool e do tabaco.
Ecoando o relatório, o presidente José Mujica, do Uruguai, na semana passada, apoiou a aprovação pela Câmara dos Deputados da “lei de regulação responsável” da maconha, que, saindo da ilegalidade, passa a estar sujeita às restrições e regulações que o Estado e a própria sociedade impõem.
Mujica deu prova de bom senso. O extraordinário recuo do consumo de tabaco no mundo todo só foi possível porque o tabaco, não sendo proibido, podia ser regulado: taxação por impostos altíssimos, proibição de fumar em lugares públicos, interdição de publicidade, obrigação de estampar no produto o mal que ele faz. Um maço de cigarros que já foi para os fumantes a antecipação de um prazer virou um objeto macabro. Foi-se o glamour do cigarro. Escolas aderiram à prevenção e não foram poucas as crianças que puxaram a orelha dos pais fumantes.
Uma política de drogas inteligente combateria o consumo via um esforço concentrado de informação e dissuasão, já que, enquanto houver demanda, haverá oferta, e ampararia os que já pisaram na armadilha, acolhendo-os e tratando-os, revertendo o processo que os transforma em dejetos humanos.
É o que faz a Suíça, que investe na prevenção, oferece tratamentos de substituição, incluindo o polêmico fornecimento controlado de drogas aos dependentes, e reserva uma repressão severíssima para o crime organizado. É assim que corta o elo de dependência entre as vítimas e os traficantes.
Ruth Dreifuss, ex-ministra da Saúde, que concebeu essa política, mais tarde a primeira mulher a presidir a Suíça, dá uma lição de compaixão ao lembrar que “os drogados são nossos próprios filhos, pessoas que amamos, que estão sofrendo, ameaçados pela doença, pela desintegração social, pela morte”.
Prevenção é responsabilidade de todos, dependência é um problema de saúde pública, tráfico é um caso de polícia. De uma polícia competente e honesta.

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