INTERROGATÓRIOS SOB TORTURA AINDA SÃO PRÁTICAS RECORRENTES
NO PAÍS, DIZ PESQUISADORA
Elaine Patricia Cruz - Repórter da Agência Brasil
São Paulo – A Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa
de São Paulo ouviu nesta sexta (16) a pesquisadora Mariana Joffily, professora
de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ela falou
sobre a criação e o funcionamento da Operação Bandeirante (Oban) em São Paulo. A Oban deu
origem ao Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão da repressão
instalado pela ditadura militar em várias cidades do país.
Em sua apresentação à Comissão da Verdade, a pesquisadora
disse que a tortura, muito utilizada durante a ditadura nos interrogatórios de
presos políticos, tanto na Oban como no DOI, é ainda uma prática recorrente nos
dias de hoje. Para Mariana, a sociedade brasileira tem uma relação bastante
“curiosa” com a tortura. “É uma relação curiosa porque ao mesmo que não se tem
um discurso positivo que valide ou defenda a tortura como um método de
investigação, tem uma prática muito clara, corrente e sistemática no uso da
tortura para obtenção de informações e como instrumento de poder ainda hoje
[usado] na sociedade democrática”, disse.
Durante a pesquisa que fez para escrever o livro No
Centro da Engrenagem. Os Interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de
São Paulo (1969-1975), que será lançado amanhã (17), em São Paulo , consultando
os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e do projeto
Brasil: Nunca Mais, a professora disse ter encontrado documentos que
possibilitaram estimar que cerca de 1,5 mil pessoas foram interrogadas tanto na
Oban como no DOI. Continue lendo...
Mas os números, segundo ela, são baseados no que encontrou
no acervo e podem não refletir tudo o que ocorreu dentro dessas estruturas de
repressão. “É muito difícil fazer essa contabilidade. Acabou que todos os
esforços de reconhecimento do que foi a repressão política no Brasil se
concentraram muito – e por razões muito justificáveis – nas mortes e
desaparecimentos. Mas a contabilização das torturas é algo muito mais difícil
porque não há registro disso. Espero que as comissões da Verdade consigam
mapear esse fenômeno da tortura política e saber quantos foram interrogados”,
ressaltou.
Mariana também estimou que tanto no DOI-Codi como na Oban,
nas estruturas instaladas em
São Paulo , cerca de 60 pessoas morreram no período. “Mas é
uma estimativa bastante conservadora porque tinha os sítios clandestinos de
tortura e desaparecimento. Mas é o que foi possível apurar”, explicou.
A Operação Bandeirante, um órgão repressivo de São Paulo,
foi criado oficialmente em julho de 1969 e reunia representantes tanto das
Forças Armadas como das diversas forças policiais. A missão do órgão era,
segundo documentos encontrados pela professora, “identificar, localizar e
capturar os integrantes dos grupos subversivos que atuavam na área do 2º
Exército, particularmente em
São Paulo , com a finalidade de destruir ou pelo menos
neutralizar as organizações a que pertenciam”. A Oban, que não era
institucionalizada, era financiada por empresários paulistas e até por
políticos.
Como o modelo paulista da Oban foi visto com sucesso, acabou
dando origem ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de
Operações de Defesa Interna), que foi institucionalizado pelo Estado e passou a
existir em várias cidades do país. “Essa [a Oban] foi uma operação piloto. Em
1970, chegou-se à conclusão de que essa especialização no combate ao crime
político, essa centralização e essa coordenação dos esforços no combate a esse
tipo de crime foi muito eficiente e que, portanto, era necessário criar isso
para o país. Então, foram criados vários DOI-Codis, alguns já em 1970, para
perseguir militantes políticos de esquerda e de movimentos sociais”, declarou.
Segundo Mariana, o Codi atuava como órgão de planejamento e
o DOI na área da ação, responsável pela captura dos presos políticos e pelos
interrogatórios. “No caso clássico, o DOI era que fazia a captura ou, se o Dops
fazia a captura, encaminhava para o DOI. O DOI fazia os interrogatórios,
trabalhando dia e noite, e quando eles achavam que o detido havia falado tudo,
devolviam para o Dops. No Dops, a prisão era oficialmente comunicada e faziam
um novo interrogatório. Quando as declarações no Dops não coincidiam com as do
DOI, ou a pessoa era forçada a dar uma versão coerente ou retornava ao DOI,
onde era novamente torturada”, disse.
“Essas estruturas são, a meu ver, os cernes da ditadura
militar, o centro da engrenagem. A ditadura militar foi bem mais do que a
repressão política, mas de torturas e assassinatos. A atuação desses órgãos foi
muito importante porque foi ali que a ditadura militar exerceu seu poder de maneira
mais direta, violenta e evidente sobre a oposição política”, declarou. (Edição:
Aécio Amado)
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