Contardo Calligaris é psicanalista, doutor em psicologia
clínica e ensaísta e já escreveu diversos livros, entre eles "Crônicas do Individualismo
Cotidiano".
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O criminoso se entregou à polícia declarando que faltavam dois dias para ele
completar 18 anos. Com isso, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente),
aos 20 anos e 11 meses no máximo, ele voltará a circular. A gente não pode nem
deixar anotado o nome do assassino, para mantê-lo afastado de nossas vidas
futuras: por ele ser menor, seu anonimato é preservado.
É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho.
Obviamente, nos últimos dias, multiplicaram-se os pedidos de revisão do próprio ECA. Marcos Augusto Gonçalves (na Folha de segunda) observou que, na boca dos políticos, esses pedidos escondem décadas de descaso em matéria de segurança pública. Concordo. Mas, como não sou político, não vou deixar de discutir, mais uma vez, o estatuto do menor. Continue lendo...
Por exemplo, sou a favor de baixar a maioridade penal, drasticamente, como
acontece no Reino Unido, no Canadá, na Austrália, na Índia, nos Estados Unidos
etc. --sendo que, na maioria desses lugares, o juiz tem a autonomia para
decidir por qual crime um menor de 12 ou dez anos será, eventualmente, julgado
como adulto.É assim que protegemos o futuro do criminoso, para que, uma vez regenerado pela mágica de três anos de internação (alguém acredita?), ele possa facilmente reintegrar a sociedade e ser um cidadão exemplar, nosso vizinho.
Obviamente, nos últimos dias, multiplicaram-se os pedidos de revisão do próprio ECA. Marcos Augusto Gonçalves (na Folha de segunda) observou que, na boca dos políticos, esses pedidos escondem décadas de descaso em matéria de segurança pública. Concordo. Mas, como não sou político, não vou deixar de discutir, mais uma vez, o estatuto do menor. Continue lendo...
Hélio Schwartsman (na página 2 da Folha de sexta passada) aconselhou prudência: seria melhor não "legislar sob forte impacto emocional" e, sobretudo agora, confiar apenas nas "considerações racionais". Ele quase me convenceu, mas...
1) Penso isso há muito tempo.
2) Se deixássemos de agir sob impacto emocional, nunca nada mudaria. Por exemplo, o conselho de esperar para que as emoções esfriem é o argumento dos fabricantes de armas a cada vez que, nos EUA, um exterminador invade uma escola e o Congresso propõe leis de controle das armas. Os fabricantes de armas querem que esperemos para quê? Pois é, para que a gente se esqueça e se desmobilize.
3) Conheço só uma consideração racional a favor da maioridade penal aos 18 anos, e ela não é boa: o córtex pré-frontal (zona do cérebro que controla os impulsos) não está totalmente desenvolvido na infância e na adolescência.
Tudo bem, se aceitarmos essa consideração, deveríamos aumentar seriamente a maioridade penal, pois o córtex pré-frontal se desenvolve até os 25 anos ou além. Além disso, deveríamos julgar como menores todos os adultos impulsivos, que nunca desenvolveram um córtex pré-frontal "satisfatório".
4) As outras "considerações racionais" (que deveriam prevalecer sobre o impacto das emoções) são apenas disfarces de emoções especificamente modernas que, à força de serem compartilhadas, se tornaram chavões ideológicos.
Três deles são corolários de nossa "infantolatria", ou seja, da paixão narcisista que nos faz venerar crianças e jovens porque, graças a eles, esperamos continuar presentes no mundo depois de nossa morte.
Primeiro, queremos que as crianças nos apareçam como querubins felizes como nós nunca fomos e nunca seremos. Por isso, preferimos imaginar que os jovens sejam naturalmente bons. Quando eles forem maus, atribuímos a culpa à sociedade e a nós mesmos. Portanto, não podemos puni-los, mas devemos, isso sim, nos punir.
Tendo a pensar o contrário: as crianças podem ser simpáticas, mas são más (briguentas, possessivas, invejosas, mentirosas, ingratas etc.); às vezes, elas melhoram crescendo, ou seja, a cultura pode civilizá-las (ou piorá-las, claro).
Segundo, adoramos acreditar que sempre podemos mudar (para melhor, claro): apostamos que a liberdade do indivíduo permita qualquer reviravolta --até a salvação eterna pelo arrependimento na hora da morte. A possibilidade de os criminosos (ainda mais jovens) se redimirem confirma nossa crença querida.
Terceiro, acreditamos também na fábula da reciprocidade amorosa: quem ama será amado. Se forem bem tratados e se sentirem amados e respeitados, os jovens se emendarão. É só confiar neles, deixá-los impunes e lhes oferecer castiçais de prata, como o padre que presenteia Jean Valjean.
Meus amigos, "Les Misérables" é lindo e comovedor, mas é um romance, ok? Na outra noite, no bairro do Belém, teria sido melhor que aparecesse Javert.
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